Nunca escrevi nas linhas que contam minha própria história, está é a primeira vez. É irônico que me aposse da narrativa somente agora, depois de lhe apresentar tanto, caro mortal. Talvez, fosse mais cômodo fugir do controle, ou pelo menos fosse cômodo não narrar as ações de Filipo da minha perspectiva, mas nesta ocasião, não quero ninguém mais, que não eu, contando está história, que pode ou não soar confusa, devo dizer.

Meu nome, caso ainda não saiba, é Matteo Javier Coppola, há pouco mais de cinco anos, um fato hediondo havia matado meu irmão gêmeo, Filipo Gusman Coppola, mas um acontecimento ainda mais profano já o havia selado ao meu corpo. Foi então que passamos a viver como um, porém a putrefazidão não parou por aí, houve uma segunda e uma terceira morte, a de nossos pais.

Movido pela raiva de ter sua garganta cortada por aqueles que o amavam, mesmo que esta fosse com o intento de protegê-lo, Filipo manchou meu pequeno corpo com o sangue de Remir e Daliah, nosso corpo. Desde então, eu carregava o peso de ser culpada da morte daqueles que cuidaram de mim do momento em que me resgataram, até o fim de suas vidas. Era um fardo demasiadamente sofrido de se arrastar, especialmente quando ele continuava sussurrando em minha mente.

“Você sabe que eu vou brincar hoje, não sabe Mattzinho?”, segurá-lo dentro de mim, era uma faina da qual tive que aprender a suportar. Filipo era proibido de tomar o controle, pois segundo a Ordem, se o fizesse, iria atrás dos outros que arquitetaram seu ritual. Claro, isto nunca aconteceu, mas eles continuavam a culpá-lo.

A me culpar.

Então, eu fiz o que sabia fazer de melhor, exercer o controle. Havia estudado o local exato das coisas no mundo. Aquelas que pertenciam a Júpiter e a Vênus emanavam beleza e jovialidade e deveriam ser compartidas e admiradas, era o caso de Domenico, meu namorado. Já as coisas do Sol e da Lua impetravam autoridade, como eu, o futuro líder da Ordem de Verona. O que pertencia a Saturno, porém, deveria ser escondido, este era Filipo.

Naquela ocasião, Nico havia me convencido a realizar mais um ritual. Uma brincadeira de mau gosto. Ele queria evocar uma deidade, compartir de seus dons e sua soberania por um mísero momento. Os deuses gregos não costumavam aparecer, mas os rituais a eles descritos eram comuns na antiga Grécia, especialmente aquele deus, que tinha um carinho especial pela humanidade: Dionísio.

Tinha meus próprios motivos para estar ali, além do fato de que poderia guardar mais uma aventura ao lado de meu namorado. Se desse certo, o que ainda torcia para não dar, poderia pedir ao deus que separasse Lipo e eu, que me livrasse de minha tormenta. Estava um frio característico das noites de meio de outono. A floresta continha inúmeros barulhos, mas um silêncio ainda maior, com uma amálgama estranha.

Os animais, as folhas ao vento, os sussurros, o cricrilar dos insetos, tudo tocava como uma canção desordenada, profana. Todavia, um silêncio maior do que tudo aquilo, indicava a solidão em que nos dispúnhamos a estar, o perigo que corríamos. Respirei o ar bravio com intensidade. Precisava ter certeza do meu controle desta vez. Filipo não podia escapar. E se ele matasse os outros adolescentes e me culpasse?

— Espero que ninguém se machuque, só isso. — Rocei meu nariz na bochecha de Nico, beijando-a logo em seguida. No fundo, eu queria o que havia ido buscar, mas trocaria tudo aquilo por segurança. — Você é louco, sabia? Eu te amo, muito mesmo, mas você é completamente pirado. —, Sorri empurrando um pouco para trás.

Estava morrendo de fome, embora estivesse acostumado a jejuar, graças aos preceitos da Ordem, não era como se fosse muito aprazível passar dois dias sem comida nenhuma. Ainda assim, ansiava pela chegada dos outros, como se uma curiosidade taciturna me envolvesse. De repente, ouvi passos em nossa direção.

Chloé Roux foi a primeira a chegar, a própria filha de Dionísio.